quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A cidade nunca lhe perdoará

 Kalte Stadt (Cold City), Paul Klee

- Tríade city 1 - 

Vou imergir no vazio da multidão que me carrega
E talvez lá encontre a oportunidade desejada
De desaparecer por completo da eternidade
E volte ao princípio, quando nunca existi de fato

Que diferença faz você no meio da multidão, pergunto-me
Um ser inanimado, rastejante lagarto, largado
Mudando de cor para se esconder no cinza dos muros
Fingindo esconder a vergonha de ser si mesmo

A fumaça dos carros corrói faces e traços dos transeuntes
A falta de sentido é tão deplorável quanto minha identidade 
Um inseto voando baixo prestes a ser pisoteado
Desiludido e ansioso pela próxima possibilidade de nada

As torres de prédios me fecham dentro de uma prisão
Não mais cruel do que a que construí com meu próprio desprezo
Uma cela suja e escura é a morada do meu ego
Que se alimenta do meu vazio e consome-nos com desgosto

Eu só estou esperando
Por nada mais que me espera
Porque ainda é hoje
E amanhã nada será

Que diferença me faz ser eu?
Que diferença eu faço?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Pausa para o café

 Da Vida das Marionetes, Ingmar Bergman


Acorda
Café
Remédio
(ela está tão longe, ela está tão perto, ela es..)
Café
Almoço
Remédio das 2
(uma pílula, duas? Ela está longe, melhor dua...)
Café
Sono
Trabalho
(uma letra após a outra e depois vem uma e out...)
Café
Rua
Uma dose
(ela continua longe, mais uma, me vê mais...)
Duas doses
Insônia
Bang!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pequenos ensaios musicais

Número 1 - O tempo



Eu queria ser o tempo da música. Nascer e morrer dentro dela. Viver nas linhas da partitura com as minhas lágrimas pontuando as pausas e colcheias. A minha vida seria breve, mas valeria por cada instante. Imagine a falta que eu não faria se resolvesse parar antes da hora? A melodia não conseguiria prosseguir. E eu, será que conseguiria prosseguir sem ela?

Eu queria ser o tempo da música exatamente porque de melodia já tenho muito. Ela é dramática, forte, bipolar. Às vezes triste o tempo inteiro, e daí me deixa triste também, porque sendo o tempo, tenho que carregá-la nas costas, ela me segue e me suga como um viciado precisando se entorpecer.

E o tempo é muito mais prático. Ele não tenta se alongar mais do que deve. Sabe que vai acabar, por isso corre na hora certa, pausa e depois volta porque precisa voltar, porque é a direção que guia o todo. A melodia que chore, se revolte, seja dissonante e caótica, o tempo precisa continuar.

Mas a brevidade do tempo da música é só uma ilusão. E daí vou dar o braço a torcer à subjetividade da melodia, porque ela cria um mundo. Sim, e o seu mundo não tem tempo, por mais contraditório que pareça. Transpassando a fronteira da realidade, cria a própria eternidade. E nessa realidade o tempo é um detalhe.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A arte de fazer acontecer


*Montagem por Renato Gimenez

No dia nublado e sinistro que foi o último sábado, ao meio dia, teve início a oitava edição do Festival Sinfonia de Cães. Quem acompanhou minimamente os acontecimentos dos últimos meses sabe que o Centro Independente de Cultura Alternativa e Social (CICAS), onde aconteceu o evento, passou por poucas e boas. Pedro Pracchia descreve o estado de tensão no qual permaneceram todos durante as semanas de iminência da derrubada do espaço no texto Noite de Vigília

E no último sábado, apesar de o tempo não ter sido tão convidativo, o CICAS estava cheio. Impossível não ter uma sensação ótima ao circular por lá e ver tanto movimento. Crianças corriam enlouquecidas por todos os lados, pulavam sobre fileiras de pneus coloridos que enfeitam a entrada, jogavam bola, lutavam até se machucarem ou quase machucarem os outros (rs). Impossível também não esboçar um sorriso ao vê-las se divertindo tanto com coisas tão simples.

E acontecia muita coisa por lá. No caminho do “bar” alguns tomavam sopa, outros pegavam uma cerveja. Enquanto intervenções de artísticas prendiam a atenção de quem passava pela rua, a sonoridade oriental chamava para a dança do ventre no lado de dentro. Enquanto nas salas atrás do palco o silêncio abrigava fotografias, na frente dele a conversa frenética de estranhos e conhecidos emoldurava as imagens em exibição nas paredes.

Antes de o dia virar noite, a junção do blues-dog com ritmos regionais em frente ao CICAS só fez lembrar aos ouvintes com suas latas de cerveja que a música nunca teve e nunca terá fronteiras.

As seis e pouco, quando já havia anoitecido, as bandas entram no palco e levam os amigos e curiosos pra dentro do espaço, em busca de alguma sonoridade nova ou apenas de diversão embalada por acordes e ritmo compartilhado.

Bandas distintas, certamente, mas com um “q” visceral as unindo além de cada estilo. Do vocal rasgado do Iansã aos baixistas frenéticos do The Mothers e Te voy a quebrar, da introspecção esquisita do Drama Beat (na qual toco e realmente acho esquisita) à densidade criativa do Visão V, tudo pareceu fluir numa onda vertiginosa e oscilante que levava e trazia as pessoas de volta para dentro do som.

Enquanto isso, vídeos interessantes e curtas sinistros eram projetados na rua, entrecortados de vez em quando por algum distraído que passava em frente à tela - o qual era driblado pelo olhar atento de alguém que esperava até o desfecho de alguma cena para dar mais uma tragada no cigarro.

Após o fim do festival, muitos permaneceram para uma última conversa com as tantas figuras interessantes que circulavam por ali, outros foram para festas, outros para casa (creio que bem poucos). Mas no final a sensação era de que aquele dia sempre existirá naquele espaço, em alguma esfera invisível, unindo tantos tipos de arte em um momento valioso - que há de se repetir de outras formas e muitas vezes enquanto houver quem acredite que a arte sim, ela vale a pena.

Mais informações: www.sinfoniadecaes.org - www.projetocicas.blogspot.com

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O novo sempre vem

Contribuições para o blog do Coletivo Bequadro Mostarda sobre o que há de novo para perturbar nossos sentidos! Acessem, leiam, opinem, mudem!  ;)

 

Arestas cortantes de uma caixa vítrea  

FAIXA-A-FAIXA: Glassbox (The Children´s Object Book)

 O bumbo espaçado que se aproxima do fim soa como batidas à porta, amplifica o medo, a perseguição por algo indecifrável. George Orwell entenderia essa música. Seria o fim ou apenas o início do terror?”

 

Azul dopado

FAIXA-A-FAIXA: Jane Dope - EP (Às 4 na Augusta)

“O aumento da intensidade acaba por morrer na continuidade pós-punk repetitiva: ‘Sadness is my lover, Sadness is my lover’. Não há mudança. Não há esperança nenhuma”.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Conversa de enterro

Manhã de domingo, 14 de agosto de 2013

(dois amigos caminham pelo cemitério acompanhando o cortejo fúnebre)

-“.... o touro é valente, bate na gente, a gente é fraco cai no buraco, o buraco é fundo acabou-se o mundo...” Nunca tive uma impressão muito boa dessa cantiga.

-Sempre tive medo do fato de o buraco ser fundo, e não tem nada a ver com Freud ou coisa parecida...

- hahaha, que absurdo...

- Pois é. Na verdade sempre associei essa parte final a um medo primário, à finitude do ser humano e à fragilidade da vida. Medo do desconhecido...

- Tem a ver. Mas ainda assim quando éramos crianças havia uma sensação de que estávamos protegidos de alguma forma, talvez pelos pais, talvez por forças superiores, ou pelo simples fato de ainda mantermos um otimismo bobo comum à inocência infantil.

-Queria saber o momento exato em que alguém perde essa inocência. Óbvio, sei que é um processo, um desgaste furioso que faz uma pessoa se degradar com o passar dos anos... mas haveria uma situação específica na qual esvazia-se completamente?

-Ah, talvez. Uma coisa que sempre pensei é porque as coisas perdem a graça. Lembra de quando você era pequena e tomar um sorvete era a coisa mais incrível do mundo? Ou como as luzinhas do parque, à noite, eram tão coloridas que te deixavam numa euforia fora do comum?

-hahaha, é verdade. Hoje em dia, se tomo o sorvete é para matar o calor. E se passo em frente àquele parque sinto apenas nostalgia, nada mais de genuíno.

-Acho que quando perdemos essa vontade fundamental passamos a nos apoiar em muletas, sejam elas pessoas ou objetos. Percebemos que nunca mais iremos andar por vontade própria. “I couldn´t walk and I tried to run”. Desesperador.

(o padre inicia uma oração. Na sequência os primeiros grãos de terra caem em cima do caixão do finado amigo)

-Sempre que venho a um velório lembro da morte de um gato que tive quando era pequena. Ele era muito legal, derrubava coisas, como todo filhote. Mas como ficava sozinho em casa e era curioso demais, foi aí que se deu mal... entrou no quintal do vizinho e caiu na piscina, não sei como. Talvez tenha visto seu focinho refletido na água e desejou saber o quão real era aquela imagem.

-hahaha, um tanto filosófico para um gato...Bom, mas ao menos foi escolha dele, pior se alguém o tivesse jogado na piscina.

-Isso é, mas ele pode ter se confundido, achou que não havia tanto perigo em tentar alcançar o fundo da piscina; ou talvez estivesse tentando encontrar companhia nesse outro gato refletido na água. Não deixa de ser triste da mesma forma.

-Não, nunca deixará de ser. A realidade é apenas um conceito que varia conforme o animal. Espero que seu gato tenha encontrado algo bom além do vazio da própria imagem.

(jogam as flores sobre o túmulo e partem em silêncio)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Áspera felicidade

“I look at my watch it say 9:25
and I think ‘Oh God I'm still alive’
We should be on by now
We should be on by now”

Time – David Bowie


O conceito de felicidade – e o uso que se faz do tempo para atingi-la - varia muito de pessoa para pessoa. Para um jogador, vencer é o mais importante, por mais medíocre que seja o jogo. Para um pianista, a execução perfeita daquele concerto que ele ensaiou anos a fio o leva a satisfação plena. Para alguns empresários, a cotação em alta na bolsa já garante a elevação da alma.

Tem-se discutido muito sobre a inclusão da felicidade de uma população entre os aspectos considerados no PIB (Produto Interno Bruto), indicador que representa a soma de todos os bens e serviços produzidos em determinada região. Mas levando-se em conta as suposições acima, isso se torna um tanto complexo.

(Pillars of society, George Grosz)

A ideia geral de felicidade que se tem hoje é basicamente a da santa classe média - do início ao fim de uma vida, tudo parece se resumir de maneira bem prática. Após a infância, espera-se que uma pessoa se forme no ensino médio, faça uma faculdade e arranje um bom emprego (se for advogado ou engenheiro será muito bem recebido nos restaurantes!). Tendo cumprido esses requisitos básicos, é chegada a hora de casar, ter filhos e cria-los até se formarem. E depois disso?

O ideal é ter juntado um dinheiro durante a vida toda (o que não é muito difícil, já que o tempo para gasta-lo foi preenchido por trabalho e brigas conjugais) para enfim poder “descansar” em um sitiozinho ou em uma casa de praia no litoral sul. Pronto, eis que se pode esperar a morte sossegado.

Assim se mede a vida e quando a pobre pessoa que seguiu esse ciclo vicioso percebe, já está velha não só de corpo, mas também de espírito - acha tarde demais para começar algo novo, tentar sair desse vício de querer ter uma vida perfeita de acordo com o preceitos de sabe-se lá quem.


(Suicide, George Grosz)

Nos acostumamos a contar as horas, os dias, semanas, meses, anos, como se realmente essa divisão valesse alguma coisa. Talvez seja difícil perceber que o tempo é apenas uma ilusão, que existe apenas o agora – o passado não serve de muita coisa e o futuro é uma esquizofrenia sem tamanho. O que não exclui ter planos, aí que se dá uma confusão imensa.

Pouco adianta malhar três vezes por semana, comer legumes, dormir exatamente oito horas por noite pensando em como se estará daqui 50 anos: amanhã você pode ser atropelado meu caro. Ou semana que vem pode descobrir alguma doença nova. Ano que vem pode não conseguir sair de uma cama. Mas também é uma estupidez romântica tacar o chamado “foda-se” para tudo.

Só existe esse momento para tentar plantar algo de bom e construtivo, algo que faça valer a existência pela plenitude de cada momento, sem a espera de nada em troca. Fazendo isso, se o futuro vier, será bem vindo - como diria Lou Reed: “você só vai colher o que plantar”. E se não vier, tudo bem, a vida foi eterna enquanto durou.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Bagunça


Acho que prefiro
Mas não tenho certeza
Se tento me encontrar nesse delírio
De procurar não me perder


E encontro um motivo
Para tentar me buscar perdido
Procurando me achar
Mas sem certeza de me querer

Imagem: O carnaval de Arlequim, Joan Miró

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A peça


Imagem: Catalan Landscape: The Hunter, Joan Miró

***

No início a peça achava que fazia parte do tabuleiro de xadrez.

Começou pretensiosa, queria ser rei, rainha. Após a primeira derrota, antes mesmo de entrar em campo, cobiçou ao menos o posto de um bispo ou de uma torre. Perdida a prepotência inicial, deixou-se estar entre os peões. Mas a recepção não foi calorosa.

Lhe empurraram para fora do tabuleiro, era diferente deles. A cor não era a mesma, o desenho não era o mesmo, tudo era estranho ao mundo das peças de xadrez. Sem nenhuma utilidade específica, a peça ficou de canto em canto obstruindo passagem, ocupando espaços alheios e importunando o campo de visão das outras até resolver ir embora.

Mas não tinha onde passar a noite. Para sua esperança, avistou ao longe um jogo de damas. As senhoras circulares e chatas logo a olharam de soslaio, mas pouco fizeram. A peça achou que finalmente havia se encontrado. Pura ilusão. Também era uma peça estranha entre as grã-finas.

Quando a caixa das pedras estava sendo fechada após longa batalha, delicadamente, as damas sentiram lhe informar que não havia mais espaço para pernoitar por ali. Quando deu as costas e seguiu seu caminho, pode ouvir ainda algumas risadinhas jocosas ao fundo.

Para onde poderia ir? Os tabuleiros não são lugares de fácil adaptação. Todos são parecidos entre si e um corpo estranho pode causar grande estrago mostrando que a preciosa semelhança não passa de um conjunto de plástico vazio e frágil. Ela era de madeira, hoje em dia quase não se fazem peças de tamanha densidade.

Procurou se encaixar no Gamão. War. No auge do desespero foi para Las Vegas tentar a sorte rodando feito uma prostituta nas mesas de jogatina. Logo começou a cair em copos de whisky e, em algumas semanas, já mergulhava neles seguindo o próprio vício.

No final de uma manhã ensolarada, em plena ressaca, a peça acordou e saiu a cambalear pelas ruas na tentativa de encontrar algum ser inanimado com quem pudesse conversar sobre seus dias solitários.

Numa distração matutina, acabou atropelada por um pé humano no meio da calçada e voou para longe. Com a madeira dolorida, ainda sentiu alguém carrega-la e lança-la direto a uma caçamba. Quando acordou, estava cercada por outras peças – todas estranhas, quebradas, mutiladas, diferentes. Finalmente em casa.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

As coisas que nunca vão acontecer

Certas tardes, combinadas com antecedência na empolgação das possibilidades, nunca vão anoitecer. Permanecerão intactas dentro do limiar do sonho, eternizadas pela memória de quem um dia as sonhou.

Certos planos nunca vão sair do papel e a vontade de torná-los reais esmorecerá, queimando junto com as folhas acobreadas das árvores após a geada.

Algumas palavras nunca serão ditas, logo as mais necessárias; vão parar no campo do pensamento e jamais fluir pelo ar em notas afinadas ou não, na melodia abrupta do coexistir.

Alguns detalhes nunca serão notados; se perderão no decorrer dos anos com a sua sutileza sendo tragada pela voracidade do tempo. A flor do vestido; o botão solto da camisa; a doçura daquele bolo de tangerina perdido em alguma manhã luminosa.

Algumas músicas nunca serão transcritas em partituras, gravadas em velhas fitas ou transpostas da mente para um instrumento. E alguns poemas só vão existir no campo das ideias, não haverá a coragem necessária para torná-los reais.

Algumas pessoas nunca vão se conhecer, enquanto outras jamais se encontrarão novamente, mesmo na busca desesperada pelo semblante familiar.

O trem errado, a esquina certa, os passos perdidos na estranha dança do desencontro.


Imagem: Árvores de Outono (1911), Egon Schiele.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ah-deus

Às pequenas coisas
Às grandes ilusões
Às imensas tragédias de vida
À sutil doçura da morte
À esperança fugaz da mudança
À desilusão eterna da inércia
Ao ruído que pode transformar
Ao silêncio que permanece intacto
Às sementes da discórdia
Ao esmorecer do consenso
Às palavras que não foram atos
Às ações não ditas
Ao desespero inerente à tentativa
À calma do escape ao movimento
À frustração de todas as horas
À satisfação do tempo que se esvai
Ao todo, a tudo, a nada

Agora o que importa é a luz
E a eternidade
Bem-vinda

("God is a concept by which we measure our pain" God, Lennon)



Imagem: Starry night over the Rhone, Van Gogh

terça-feira, 1 de junho de 2010

I don´t (exist)



Who?
Not me
I don’t
Exist
Barely
Feel
A piece
Of meat
Going down
The red river
Contaminated
Flesh
Bloody water
Disease
Eat me
Hate me

Imagem: Water Serpents II, Gustav Klimt

terça-feira, 18 de maio de 2010

Carnificina

É sangue pra todo lado
É pedaço do pedaço de passado
A caixa quebrada
De todas as coisas da vida

A muleta nem me serve de apoio
As pernas funcionam bem
Mas o coração bate fraco
E a alma declina



Imagem: "O sono da razão produz monstros", Goya

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O fim do café da manhã


Imagem: Dust Heads, Basquiat

***

“São Paulo, nove horas em ponto. A neblina é forte em algumas regiões da cidade, o trânsito flui bem...”

- Nove horas... é muito cedo ou muito tarde?
-Depende. Se você acordou agora, cedo. Se nunca dormiu, tarde demais.
-Ah deus, preciso de um litro de café... e já são nove...
-Você nunca se esquece das horas?
-Ouvi dizer que o café vai acabar até 2020, as plantações serão escassas e cada grão será vendido a peso de ouro, como no passado e...

“...é o primeiro time a se classificar para as quartas de final da Libertadores. Foi por pouco, um milagre do quase vilão da partida, Rogério Ceni, que perdeu dois....”

-Acho que é hora de ir... já deu o tempo.
-Mas parece tão pouco tempo, é tão cedo pra mim.
-Só impressão, guarde seu otimismo embaixo da cama e vamos embora.
-Eu queria poder ficar mais um pouco.
-Mas não pode, ninguém pode ficar além do pouco tempo que tem.

“A mancha de óleo se alastrou rapidamente. O rio Mississipi corre risco de ser contaminado, e quem vai pagar por isso?”

-Queria ouvir uma música antes de ir.
-Fique à vontade, mas lembre-se, já deu a hora.
-Ok. Sabia que o Jeff Buckley morreu afogado?
-Ele se matou e o encontraram no Mississippi
-Não, foi um acidente mesmo, ele estava nadando num afluente do rio e daí...
-Ah, sei. Não faz diferença deixar-se afogar ou amarrar uma corda no pescoço
-Como assim? Acho que...
-Deixa pra lá. Já deu a hora.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Ruídos



A nostalgia é um ruído magenta-triste, forte e com sombras espalhadas em alguns pontos da memória. Dias frios e chuvosos.

Eu assistia Lost in Translation na cama com uma preguiça eterna de sair dela. E ouvia My Bloody Valentine na sequência, porque a dor, ao contrário do que pensam, também é rosa.

E a solidão nos copos de whisky e cigarros de pubs perdidos no mundo é real. Mas talvez ela não tenha sido feita para ir embora. Nós somos a nossa própria solidão.

Nós somos as guitarras distorcidas e o fundo dramático da coisa toda. Nossas lágrimas são notas desconexas no meio do ruído.

“Eu não tenho amor, eu não tenho nada além do álbum da capa rosa”. Meu vazio se expande como o universo das noites sem estrelas. Meu vazio me absorve nos seus braços.

Mas o objetivo de tudo é saber o que ele diz no sussurro final antes de pegar o táxi. E isso importa?

São apenas palavras ao vento, como as distorções cor-de-rosa e as notas – que na verdade são lágrimas – molhando tudo antes de partirem para o infinito.

Imagem: Loveless, My Bloody Valentine

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ponto de fuga



fu.ga -sf (lat fuga) 1 Ato ou efeito de fugir. 2 Saída, retirada, partida rápida para escapar a perseguições. 3 Orifício por onde sai ar, fumo, gás, luz etc. 4. Peça musical polifônica, na qual se desenvolve um tema, em contraponto. 5. Escapatória, subterfúgio. 6. Espaço, margem, sobra. Pontos de fuga: em desenho, pontos de duas retas divididas homograficamente, tendo cada um, por ponto homólogo, na outra reta, o ponto ao infinito.

***

Do décimo sexto andar, de frente para lua, eu vejo você lá embaixo.
Você, com uma vela entorpecente nas mãos, um ponto luminoso no universo que o engole aos poucos em sua imensidão perdida. A vela da missa dos inocentes de antes - a única luz no túnel sem começo e sem fim.

O que será que você pensa da vida? Você que parece não ter identidade no meio de outros pontos luminosos em cobertores de lã e andar triste no meio da avenida de sonho e concreto.

A madrugada é o seu tempo, a penumbra é a sua casa. E nas nuances de amarelo nostálgico das luzes do centro você se encontra e se perde no andar torto em busca de compreensão. A lua é tão bonita aqui de cima. “Parece um limão, lemmon moon”.

E nós estamos a salvo com a nossa empolgação passageira de sábado à noite, observando a insegurança se retorcer nas calçadas. Daqui a pouco o dia nasce e as cores de vinho barato e toranja vão se emaranhar no céu num fluxo incessante de dor e vida saindo da escuridão. O nascimento.

Mas e para você, que não sai da escuridão, como será encarar o dia - o sol batendo nos ossos da face, trazendo a lembrança de que a vida existe e talvez você deva fazer algo com ela?

Eu realmente queria saber aonde essa procissão de almas perdidas vai parar quando o dia amanhece. Para onde cada uma delas irá? Onde poderiam encontrar o conforto perdido após a mutilação interior?

A dor que carregam deve ser maior do que toda a angústia ancestral do mundo, queimando em pontas luminosas bem lá embaixo, tão longe da lua.

Imagem: El Hombre de Fuego - Orozco, José Clemente

terça-feira, 20 de abril de 2010

Barulho transcendental

Sábado à noite, estúdio Noise Terror, Jabaquara.

E aqui acaba a objetividade dessa resenha, porque não seria possível mantê-la e ao mesmo tempo descrever a apresentação do Vincebuz no último final de semana.

“Alguns momentos foram feitos para serem esquecidos”, alguém me disse naquela noite, com um otimismo bizarro contraposto à frase um tanto curiosa. Mas o sentido não poderia caber melhor – a pessoa se referia, disse-me, a certas experiências intensas que devem ser vividas plenamente no momento, e dane-se se vamos recordá-las ou não (algo difícil de se fazer dependendo da quantidade de entorpecentes em questão).

Mesmo acreditando nessa ideia como uma boa definição para a força singular que algumas apresentações ao vivo despertam, compartilho o que sobrou na minha memória e o que consegui captar, digamos, do inconsciente coletivo dos que estavam presentes.

3 é D+, Projeto Trator e Hierofante Púrpura deram início à tormenta. O local iluminado apenas por uma luz vermelha baixa remetia à cena de algum filme do David Lynch, uma atmosfera de sonho que deixava a visão quase distorcida na pouca luz que delineava as sombras nas paredes.

Quando começou a arrumar toda aquela parafernália – duas baterias, copos, correntes, tambores, sintetizador, pedais, instrumentos que poderiam servir para algum tipo de ritual religioso contemporâneo – o Vincebuz já havia começado sua apresentação. Os curiosos se aproximavam e observavam com interesse a movimentação da banda.

O set da bateria sem dúvida chamou a atenção, não somente pelo fato de serem dois bateristas, o que traria, no mínimo, algo com forte densidade sonora, mas pela forma como as baterias estavam montadas: os dois compartilhavam um bumbo (Como aquilo não explodiu? Depois fiquei sabendo que eles alternavam as batidas de forma intuitiva) e alguns pratos “comunitários”, de lado para o público, frente a frente.

Quando a apresentação começou de fato, a sincronia e o ritmo das batidas faziam um baterista parecer o reflexo do outro, literalmente. E num sentido mais amplo, era o que acabava acontecendo dada a tamanha sinergia entre os dois.

Em meio a todo o barulho dois caras começam a palpitar sobre o som, e logo me meto na conversa como se já fossem velhos conhecidos. Falavam de quão impactante era, musicalmente, visualmente. Comentei sobre essa ideia do espelho e um deles, chapado de LSD, sentiu-se completamente compreendido com o meu comentário: “caaara, estava tendo exatamente essa brisa”.

Adoro os pitacos aleatórios dos fanáticos por música, que estavam de olhos e ouvidos bem abertos – o que não foi algo simples de se fazer, levando em conta o breu do local e alguns picos de microfonia que me faziam, por alguns instantes, esquecer meu amor por Sonic Youth e tapar os ouvidos no intento de salvar o que ainda resta da minha audição.

Difícil definir o que aconteceu por ali. Que diabo de estilo poderia sintetizá-los? Experimental? Talvez. Algo ligado a algum tipo de ritual, uma experiência além da música, cairia muito bem para esse show. Interessante ver as reações dos doidos plantados em frente à banda, acompanhando o ritmo como podiam. A ligação entre os integrantes - que é realmente absurda, todos estavam com a alma pra fora, saindo de si ao mesmo tempo – foi compreendida e ganhou o acompanhamento de quem assistia.

Guitarra estupidamente distorcida, reverb estourando, alguns gritos esparsos que poderiam ser a letra ou não. Se fosse apenas isso seria mais uma banda barulhenta tocando em algum beco da vida. Mas a execução deles faz grande diferença, o entrosamento nesse estado de transe é algo intenso de se ver e faz a apresentação ser completa – não só música, não só “performance”, a integração entre os dois aspectos que faz a experiência ser completa.

O set de três músicas, mesclado com improvisos transcendentais, durou pouco para quem estava por lá. Quando acenderam as luzes brancas e o fim da noite foi declarado, as pessoas saíram do ritual com vontade de começá-lo de novo.

Confira um trecho do show:

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sangria


Dilacerado
A carne viva
Sangra a neblina
Bruma que vai até a alma
Nos olhos embaçados pela tristeza
A janela não deixa sombra de dúvida
Para quem olha com um pouco mais de atenção

Imagem: Auto-Retrato com Cigarro, Edvard Munch

quarta-feira, 31 de março de 2010

Um novo passado


Imagem: Beach Scene, Guernsey (Children by the sea in Guernsey), Renoir

Entrei pelos fundos da pequena casa de alvenaria cercada por um gramado seco e com brechas de terra batida nos muitos pontos falhos. O cachorro estava solto no pequeno quintal, mas não me estranhou totalmente, apenas pulou em meus braços, sujando minha roupa com toda sua alegria na recepção ao novo estranho que adentrava seu recinto.

Avistei a entrada da cozinha, fresca diante daquela tarde quente que adormecia crianças por toda a vila. Entrei sorrateira e dei de cara com um rapaz, que me olhou espantado e curioso.

-Ah, desculpe o susto, vim encontrar a Julia...
-Tudo bem, pode entrar.

Assim o conheci e nem imaginava o futuro que nos pertencia. As pessoas e seus encontros improváveis, quanta beleza cerca esse acaso. Os desconhecidos de um minuto atrás com suas ideias variadas vêm e vão, passeando pela minha vista, até que um me chama a atenção.

-Oi, desculpa a demora, acabei de sair do banho...
-Sem problema, vamos indo?
-Me dá mais um minuto e estou pronta

Na sala da casa, fotos espalhadas na estante, como é costume nos lares que são ou foram felizes algum dia. Os dois pequenos, na praia, em uma; ela com o barquinho de papel, na água, em outra; o menino chorando no colo da mãe com a cara suja de bolo de aniversário.

Pessoas e suas lembranças, tão valiosas e presentes que parecem nunca passar, ficam presas em imagens coloridas e invertidas nos negativos de suas câmeras antigas. Sinto-me tomando parte de um novo passado, do futuro dele e do presente dela.

-Podemos ir agora.

E partimos. Todos os dias partimos para o desconhecido, com a sensação agradável da surpresa e das possibilidades que nos esperam, ou com o medo primário que não abandonamos devidamente na infância.

Em um retrato próximo à porta de entrada, Julia aparece à beira da piscina, com medo de molhar os pés. Hoje em dia, se joga na correnteza leve do mar sabendo que conseguirá voltar. E assim segue.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Lendas falantes da América onírica


Johnny Depp e Benicio del Toro no filme "Medo e Delírio"

Difícil encarar a vida de frente, olhar em seus olhos e ver a piada pronta refletida. “Ah, você está vivo? Mas é só por um tempo, nem se empolgue...Por que está aí parado?”. Nunca é o suficiente.

E a gente vai dando com a cara no chão, errando feio, apostando e azarando, vendo todo mundo andar enquanto aparentemente estamos no mesmo lugar. E de fato estamos. Todos caminhando pro mesmo destino, lugar nenhum, total desconhecimento de onde chegaremos ao final. Existe sensação mais amedrontadora?

Dia desses me peguei rezando mentalmente para algum ser divino não existente (quem me dera ter ao menos fé como combustível...) por alguma motivação estúpida e esperançosa na busca por resposta para esse enigma mais estúpido ainda que chamamos de vida.

No meio da noite, em um andar alucinado pelas ruas de uma Las Vegas deserta e onírica, um carro parou ao meu lado com um tipo à la Hunter Thompson em “Medo e Delírio” - com um cigarro deitado no canto esquerdo da boca e óculos de olhos entorpecidos me fitando, parecia querer uma informação.

Mas na real, ele sim queria me dar uma informação, talvez a que eu tenha pedido na noite anterior, porque talvez fosse realmente o Thompson, velho camarada de uma profissão sem futuro, que se suicidou há alguns anos. Soltou as palavras meio gritando, meio saindo fora, com aquele bafo de dry martini, “Você não precisa viver todas as possibilidades para ter uma vida plena!!!”.

Senti que só faltou o “your fucking asshole” no final da sentença para acabar com a minha demência investigativa sobre vida e morte. Mas que diabos ele quis dizer com isso? Que raio de moral o Thompson e aquele bendito advogado samoano portador de armas e drogas ilícitas têm para pra me dizer justamente que “não preciso viver todas as possibilidades”?? What the fuck!

Mas no fundo acho que ele estava certo. Talvez viver todas as possibilidades, ou pensar demais em vivê-las, esgote uma pessoa. Drogas mais potentes, noites e dias mais divertidos, empregos melhores, mais dinheiro, jantares, amores... O “tudo” é demais! Como foi pra ele no dia em que apontou uma arma para cabeça.

Da minha viagem a América onírica que me dá até vontade de chorar quando lembro das crianças de Ohio (as únicas que podem chorar) e do pai do Dean, e dos dois loucos das corridas no deserto, e do Dylan que jamais seguiu líder nenhum, tirei isso: a própria vida já é suficiente, então para que viver a dos outros também? A competição e o desejo inesgotáveis são demais para mim.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Blue up



Sim, eu preciso
De uma dose de realidade
Pra sair dessa loucura
Minha cabeça anda na lua
E meus pés não encontram o chão

Meu bem, eu vou longe
Você nem pode imaginar
Eu vou além das estrelas
O mar parece uma piscina
Lá de onde eu consigo olhar...

Imagem: Sky Blue, Wassily Kandinsky

terça-feira, 16 de março de 2010

Saudade

A saudade que eu sinto é doce como uma manhã de domingo
É tão inocente que parece uma fábula antiga
É tão colorida que me lembra uma viagem de LSD
É tão simples, como uma canção de blues old school
E tão esperançosa quanto o fim de uma guerra

A saudade que eu lembro é o jeito que me fazia sorrir
É tão real que o meu pulso realmente acelera
É tão sutil que às vezes me pego na minha surpresa
É tão absurda, como as ideias que eu nunca tive
E tão pura quanto os versos que ainda não escrevi

E de triste não tenho mais nada
Só a lembrança da tristeza de um dia
O suficiente para achar graça no fim

Na memória o antigo pranto
O abismo que separava o eterno
Agora é um detalhe para o céu colorir



Imagem: O Sena em Argenteuil, Claude Monet

quarta-feira, 10 de março de 2010

Ao meio-dia, o verão


Por que tão tristemente
Esses olhos fitam-me?
Não basta a lamuria da vida
Ecoando o viver?

Não basta o vento fugindo
Pela noite, o bramido?
O abrigo que aguarda
O vento não pode ver

Eu tentei, ao menos, tentei
O erro foi resultado, mas ao menos...

Por que na própria morte
Busca-se a vida?
Não basta a incerteza do lar
Aonde leva o morrer?

Não basta o dia queimando
Sol poente, esvaindo-se?
O escuro que o espera
O dia não pode ver

Eu tentei, ao menos, tentei
O erro foi resultado, mas ao menos...

Ó triste dama que caminha
O sangue ralo a correr
Pela relva pálida da vida
Por veias e vales sem cor
Quem sabe quando for meio-dia
E o verão ascender como fogo
Quando menos esperar o vermelho
Poderá encontrar-te de novo

Imagem: Ao meio-dia, o verão (Marc Chagall)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ego


Que a ferida incisa dos outros
Se cure pelas mãos do destino
Enquanto passeias feliz pela noite
Achando graça no inferno, sorrindo.

Pobre alma em forma de ostra
Que se fecha no mar salgado
Que também morre pela boca

Imagem: Colossus, Goya

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

No light, no tunnel



Eu olho para a tela do mundo e vejo indiferença
Eu olho as pessoas de futuro luminoso e sinto indiferença
Eu olho a tempestade pela TV e vejo indiferença
Eu olho nos olhos do cachorro magro e sinto indiferença

Eu vejo os meus sonhos em outras mãos e nem me importo mais
Eu vejo os minutos correndo pelo relógio e nem corro atrás
Eu sinto muito por não ser e não ter e não sentir nada
Não encontro o sentido, nem luz nem túnel, alegria ou mágoa

Imagem: Shade & Darkness - the Evening of the Deluge, W. Turner

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Desprezo pelo futuro

- Quando você descobre a verdade sobra apenas o desprezo.
- Desprezo pelo que?
- Por tudo aquilo que te cerca.
- E que verdade é essa da qual você tanto fala?
- A minha.
- E por que você se baseia apenas na própria ignorância?
- Porque cansei de me basear na ignorância dos outros.
- E o que descobriu baseando-se em si mesmo?
- Que tudo é mentira - inclusive eu.

Ao som de todo o Universo, porque amanhã será o nosso dia de sorte!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Eu que só queria você...

...vou colocar meu casaco, me vestir de triste
Sair à francesa, sair da sua frente
Eu que sempre fui a partida
Eu que nunca cheguei à ninguém.


Quadro: Hotel Room, Edward Hopper

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

La Valse

Eu vou guardar você como um segredo
Dentro de uma caixinha de música
Que joga notas ao vento
Sem pretensão de receber nada em troca

Eu vou ter você mesmo não tendo
Como tenho o sol ou o dó que flutuam
Vêm e vão pelo ar, em contratempo
Sempre voltam no momento oportuno

E a bailarina a rodopiar solitária
Será a única a saber dos meus planos
E aguardará para dançar no teu ritmo insano

E se um dia a música voltar a tocar
A melodia não virá por mero acaso
Mas sim para acompanhar o andar do teu compasso

(p.s- isso vai virar música, quem viver verá!)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

À mercê

A cada silêncio uma facada
Espero calmamente a hemorragia
Até não haver mais o que se fazer
A não ser morrer mais uma vez

Fiquemos agora cada qual no seu canto
Em cada esquina com o próprio desengano
Com a garrafa que pudermos sorver
Com a esperança fugaz de um dia ter

E se doer, deixemos que doa
Os sentidos se perdem tão a toa
Quando a imaginação é impiedosa
E jaz numa incerteza dolorosa

Nem um lúgubre abrigo nos é deixado
Assim, à mercê dos céus, ficam os fracos
Quando Vênus já lhes deu as costas
E canta alegremente suas derrotas