quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Alívio passageiro

Abriu os olhos calmamente... e os fechou rápido devido a decepção imediata. O mesmo quarto, os mesmos móveis, a mesma situação. Mais um dia se inicia.

Pensar no sol lá fora já é doloroso demais. Ficou imaginando os homens, em ternos e gravatas, as mulheres, em vestidos e sapatos plastificados. Mais um dia começa.

Levanta da cama lerdamente, os pé demoram a tocar o chão do quarto. Na luz colorida da persiana percebe que o dia será quente. Mais um dia.

Vai até o banheiro e encara o espelho. “Sou eu mesmo ainda, apenas eu”. Na cozinha faz um café, porcamente, com o resto do pó do dia anterior, para tentar acordar.

Mas a vontade não é acordar. O desejo único é retroceder a uma época feliz de poucos meses atrás, que se tornou apenas uma fotografia antiga de um álbum perdido no tempo.

Aquela felicidade acabou. Há apenas o reflexo dela no presente - mais uma tormenta do que um alívio de certeza. Pensa em trabalhar, mas não consegue se mexer. Pensa em escrever isso, mas não consegue levantar a caneta.

Toma três comprimidos, volta para cama, e retorna ao sonhar.
Fim do dia. Ahhh

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Partida

Primeiro, trato de esquecer os seus defeitos. O perdão é bem vindo.
Falava demais
Pensava demais
Ouvia pouco
Comia carne
Bebia saquê
Nunca esperava
E se esperava,
Era muito.

Depois, passo a esquecer suas qualidades. Uma por uma.
A inteligência
O talento
A delicadeza
O bom humor
A espontaneidade
A insanidade
A compreensão
O amor.

Em seguida, acabo com a sua voz na minha memória. O timbre que me acompanhava por todos os lugares. E os pequenos detalhes se vão, momentos sutis da convivência tão boba, porém, tão adorável.

Tudo vai perecer aos poucos.
O todo vai desmontar
Como uma casinha
Feita de madeira
Mal construída
Descuidada
Partida.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Lembranças da minha infância

Remédios espalhados pela mesa
Resquícios de sangue pelo chão
Bacias com restos de uma vida dentro
Agulhas e similares nos armários
Vozes malfadadas a adivinhar o futuro
Dor escondida em olhos opacos
Certeza do final gritando pelas veias
Lençóis brancos e ar condicionado forte
Tremor ao adentrar o quarto
Choro contido em frente às visitas
Restos de memória se apagando
“São meus primos essas crianças?”
Futuro se despedaçando pelo caminho
Árvores e cinzas do dia chuvoso
“Agosto, o mês do desgosto”
Pássaros voando pela eternidade
Nunca mais vou encontrá-los por aqui
Arrependa-se, o ser supremo irá te ajudar
Diga adeus, essa é sua última chance
“Desligue a música, acabou”.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Verde é o silêncio que mora na sua boca

Ondas verdes
Ondas distantes
Nada além de ondas
De incerteza
E insegurança

Verde é o silêncio
Que morre na sua boca
O adeus não dito
A indiferença mundana
Mas que me importa tudo isso
Se logo tudo vai passar
E estarei bem melhor além
Do aqui nesse mar

Madre, é quando hei de lhe encontrar?
No além mar do pós-vida?
Nos remédios, nas agulhas, nos hospitais?
Todo lugar me lembra você
Principalmente assim, no desamparo
De ter que existir
De qualquer forma, deformada
Esperando o fim, sempre o fim

Nadando assim
Prestes a afogar
Em ondas distantes
Na falta de alegria
Na tristeza sufocada

(p.s- linda ideia de verde-silêncio do meu querido Squeter; só levei mais adiante pela ironia que o destino me trouxe agora, e pela alegoria repleta de agulhas da minha infância)