sexta-feira, 19 de março de 2010

Lendas falantes da América onírica


Johnny Depp e Benicio del Toro no filme "Medo e Delírio"

Difícil encarar a vida de frente, olhar em seus olhos e ver a piada pronta refletida. “Ah, você está vivo? Mas é só por um tempo, nem se empolgue...Por que está aí parado?”. Nunca é o suficiente.

E a gente vai dando com a cara no chão, errando feio, apostando e azarando, vendo todo mundo andar enquanto aparentemente estamos no mesmo lugar. E de fato estamos. Todos caminhando pro mesmo destino, lugar nenhum, total desconhecimento de onde chegaremos ao final. Existe sensação mais amedrontadora?

Dia desses me peguei rezando mentalmente para algum ser divino não existente (quem me dera ter ao menos fé como combustível...) por alguma motivação estúpida e esperançosa na busca por resposta para esse enigma mais estúpido ainda que chamamos de vida.

No meio da noite, em um andar alucinado pelas ruas de uma Las Vegas deserta e onírica, um carro parou ao meu lado com um tipo à la Hunter Thompson em “Medo e Delírio” - com um cigarro deitado no canto esquerdo da boca e óculos de olhos entorpecidos me fitando, parecia querer uma informação.

Mas na real, ele sim queria me dar uma informação, talvez a que eu tenha pedido na noite anterior, porque talvez fosse realmente o Thompson, velho camarada de uma profissão sem futuro, que se suicidou há alguns anos. Soltou as palavras meio gritando, meio saindo fora, com aquele bafo de dry martini, “Você não precisa viver todas as possibilidades para ter uma vida plena!!!”.

Senti que só faltou o “your fucking asshole” no final da sentença para acabar com a minha demência investigativa sobre vida e morte. Mas que diabos ele quis dizer com isso? Que raio de moral o Thompson e aquele bendito advogado samoano portador de armas e drogas ilícitas têm para pra me dizer justamente que “não preciso viver todas as possibilidades”?? What the fuck!

Mas no fundo acho que ele estava certo. Talvez viver todas as possibilidades, ou pensar demais em vivê-las, esgote uma pessoa. Drogas mais potentes, noites e dias mais divertidos, empregos melhores, mais dinheiro, jantares, amores... O “tudo” é demais! Como foi pra ele no dia em que apontou uma arma para cabeça.

Da minha viagem a América onírica que me dá até vontade de chorar quando lembro das crianças de Ohio (as únicas que podem chorar) e do pai do Dean, e dos dois loucos das corridas no deserto, e do Dylan que jamais seguiu líder nenhum, tirei isso: a própria vida já é suficiente, então para que viver a dos outros também? A competição e o desejo inesgotáveis são demais para mim.

8 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

A competição SEMPRE é demais... Mas o desejo, nem tanto, desde que não se transforme em obsessão. Às nossas escolhas, nos agarremos a algumas como uma flor bem enraizada ao solo fértil... E, quando estiver muito seco, e faltar de tudo, sorvamos o melhor que pudermos deste mesmo solo.
... e quando chover denovo, será a sensação da primeira chuva...!!
(Ruídos de trovões ao fundo... acho que um denso aguaceiro está chegando...! Prepare-se para ficar nú...)

Por Cris Tavelin disse...

Ressaltou bem, meu caro, a obsessão na qual o desejo por vezes se torna é o perigo da história... Associo a palavra desejo à algo mais nefasto talvez por uma influência inconsciente de Sandman, rs... A "vontade" me soa mais agradável... Realmente, nos agarrarmos às nossas escolhas com vontade é o que faz a diferença, até porque "se não sou eu, quem mais vai decidir o que é bom pra mim?
Se o que eu sou é também o que eu escolhi ser, aceito a condição..." ;)

P. A. Sanches disse...

Eu simplesmente não acredito mais em nada! a vida, coisa mais linda e cruel.

..daqui uma semana volto para comentar isso

Por Cris Tavelin disse...

Acho que você definiu bem: linda e cruel... A parte mais dolorosa é constatar como a beleza dela é efêmera...

Apesar de tudo sou apaixonada pela vida e pela morte, com todas as alegrias e pesares que esse dueto envolve...

Fabio disse...

é, competition anywhere! temos que ser melhores o tempo todo, sermos líderes, sermos maiorais, ganhar prêmios e despertar desejo, sanar a vaidade com mais vaidade, senão você é um zero à esquerda. Talvez viver nos grandes centros populacionais gera essa corrida desenfreada em sermos polivalentes e melhores em tudo por causa da "concorrência", uma corrida maluca no deserto, no fim ninguém tá todo mundo com os olhos cheio de terra, vendo nada e "vamos em frente, correr, correr e correr..."

ps.: Seus sonhos estão cada vez mais interessantes!

Drunken Clown disse...

(..."viver todas as possibilidades, ou pensar demais em vivê-las, esgote uma pessoa.")

Fazendo um link com o última postagem que li (barulho trancendental) eu penso que as vezes a vida poderia ser pura e simples, caótica e pesada quanto uma noite de show ao vivo...tem dias que valem a pena despertar-se com a maldita ressaca, é o preço do doce e amargo gosto da noite que se4 passou...saudades desta sensação...

Por Cris Tavelin disse...

pois é...
viver um momento plenamente, mesmo que isso traga algum desgaste físico, muitas vezes vale mais do que se guardar para uma semana de pensamentos vazios e pouca ação.

O ser humano complica tudo, sempre... mas nada como um bom show para reordenar o caos dentro da cabeça ;)