Sábado à noite, estúdio Noise Terror, Jabaquara.
E aqui acaba a objetividade dessa resenha, porque não seria possível mantê-la e ao mesmo tempo descrever a apresentação do Vincebuz no último final de semana.
“Alguns momentos foram feitos para serem esquecidos”, alguém me disse naquela noite, com um otimismo bizarro contraposto à frase um tanto curiosa. Mas o sentido não poderia caber melhor – a pessoa se referia, disse-me, a certas experiências intensas que devem ser vividas plenamente no momento, e dane-se se vamos recordá-las ou não (algo difícil de se fazer dependendo da quantidade de entorpecentes em questão).
Mesmo acreditando nessa ideia como uma boa definição para a força singular que algumas apresentações ao vivo despertam, compartilho o que sobrou na minha memória e o que consegui captar, digamos, do inconsciente coletivo dos que estavam presentes.
3 é D+, Projeto Trator e Hierofante Púrpura deram início à tormenta. O local iluminado apenas por uma luz vermelha baixa remetia à cena de algum filme do David Lynch, uma atmosfera de sonho que deixava a visão quase distorcida na pouca luz que delineava as sombras nas paredes.
Quando começou a arrumar toda aquela parafernália – duas baterias, copos, correntes, tambores, sintetizador, pedais, instrumentos que poderiam servir para algum tipo de ritual religioso contemporâneo – o Vincebuz já havia começado sua apresentação. Os curiosos se aproximavam e observavam com interesse a movimentação da banda.
O set da bateria sem dúvida chamou a atenção, não somente pelo fato de serem dois bateristas, o que traria, no mínimo, algo com forte densidade sonora, mas pela forma como as baterias estavam montadas: os dois compartilhavam um bumbo (Como aquilo não explodiu? Depois fiquei sabendo que eles alternavam as batidas de forma intuitiva) e alguns pratos “comunitários”, de lado para o público, frente a frente.
Quando a apresentação começou de fato, a sincronia e o ritmo das batidas faziam um baterista parecer o reflexo do outro, literalmente. E num sentido mais amplo, era o que acabava acontecendo dada a tamanha sinergia entre os dois.
Em meio a todo o barulho dois caras começam a palpitar sobre o som, e logo me meto na conversa como se já fossem velhos conhecidos. Falavam de quão impactante era, musicalmente, visualmente. Comentei sobre essa ideia do espelho e um deles, chapado de LSD, sentiu-se completamente compreendido com o meu comentário: “caaara, estava tendo exatamente essa brisa”.
Adoro os pitacos aleatórios dos fanáticos por música, que estavam de olhos e ouvidos bem abertos – o que não foi algo simples de se fazer, levando em conta o breu do local e alguns picos de microfonia que me faziam, por alguns instantes, esquecer meu amor por Sonic Youth e tapar os ouvidos no intento de salvar o que ainda resta da minha audição.
Difícil definir o que aconteceu por ali. Que diabo de estilo poderia sintetizá-los? Experimental? Talvez. Algo ligado a algum tipo de ritual, uma experiência além da música, cairia muito bem para esse show. Interessante ver as reações dos doidos plantados em frente à banda, acompanhando o ritmo como podiam. A ligação entre os integrantes - que é realmente absurda, todos estavam com a alma pra fora, saindo de si ao mesmo tempo – foi compreendida e ganhou o acompanhamento de quem assistia.
Guitarra estupidamente distorcida, reverb estourando, alguns gritos esparsos que poderiam ser a letra ou não. Se fosse apenas isso seria mais uma banda barulhenta tocando em algum beco da vida. Mas a execução deles faz grande diferença, o entrosamento nesse estado de transe é algo intenso de se ver e faz a apresentação ser completa – não só música, não só “performance”, a integração entre os dois aspectos que faz a experiência ser completa.
O set de três músicas, mesclado com improvisos transcendentais, durou pouco para quem estava por lá. Quando acenderam as luzes brancas e o fim da noite foi declarado, as pessoas saíram do ritual com vontade de começá-lo de novo.
Confira um trecho do show:
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