segunda-feira, 27 de julho de 2009

"Happiness is a warm gun"

.

“ELE morreu”. A voz ao telefone era seca e direta, como alguém sem paciência e disposição física para argumentar contra o destino ou as causas que levam a vida para a eternidade. Fiz silêncio. Depois pensei em ligar para o trabalho e avisar sobre minha ausência devido a necessidade de ir à festa de seu funeral. Ocupado. Fora de área. Então dane-se o telefone.

Sua mãe chorava na porta do meu quarto e por alguns segundos consegui perceber a dor tão profunda de um ser que acaba de perder o filho. Tinha que correr para o funeral. Antes precisava levar um presente para o morto e comprar um suco para curar a ressaca da noite anterior.

Cheguei a um lugar enorme, que vendia de tudo. Livros, bicicletas, carne, roupas, geladeira, qualquer objeto que tivesse um nome e alguma (in)utilidade estava naquele templo do capitalismo. Camisetas de Che Guevara, Salvador Allende e Jesus Cristo por 9,99.

Dou voltas sem sentido naquele labirinto moderno e reflito sobre questões de vida e morte, felicidade e desespero, amor e ódio. Tudo me parece muito claro, como uma visão: numa tradução livre, “felicidade é uma arma carregada”. Dou risada da minha própria reflexão e saio cantarolando a música.

Um homem que parecia ter saído direto dos anos 30, com um bigode charmoso e chapéu a la Mastroianni estava sentado em um banco e me observou passar. Ouvindo a música, começou a cantá-la também.

Com delicadeza, retirou uma arma do casaco negro e passou a atirar em tudo a sua volta. As pessoas correram como formigas desgovernadas que sentem a ameaça do intruso em sua terra. E a música cresceu ao fundo, com a voz de Lennon parecendo uma professia apocalíptica vinda direto do inferno. Ou talvez de algum lugar mais profundo.

Precisava pegar um ônibus. Mas que ônibus? Vou e volto por linhas inexistentes de um universo onírico me deparando com faces que nunca havia encontrado antes em vida. Chego ao local. A tristeza percorria faces apáticas em toda a imensidão da casa onde o velório prosseguia.

Estava na cozinha comendo salgadinhos preparados para a festa do funeral quando ouço gritos no quarto. O morto havia voltado para acertar umas pendências deixadas em vida. O homem de chapéu reaparece na hora apropriada e atira nele, que se estende no caixão como se nada tivesse acontecido.

“Happiness is a warm gun, momma!
Bang! Bang!
Shoot! Shoot!”.

Um comentário:

Xxx disse...

Realmente escreves muito bem srta Tavelin!