segunda-feira, 6 de julho de 2009

Filhos da Cultura- cáp. 8

O lamento dos deslocados

"Já faz algum tempo que minha existência não importa para mais ninguém... nem mesmo para mim. Mas vida, nem parece que eu tenha te amado tanto, e eu realmente te amei. Quando se é poesia e infância, lúdico e sagrado, as possibilidades parecem infinitas. Os ensolarados se tornaram apenas este maldito hoje".

São Paulo, 1983

"Um quadrado na parede. Retas que delimitam minha existência. Lá fora não há nada. Hoje não é um dia para se ganhar. Amanhã será? Pausa para o trabalho, função automática acionada, prazer inexistente. Mas daqui a pouco saio na chuva e volto a me machucar. Alegria alegria, sangre desse depressão de merda! O ar frio dessas paredes me lembra a sala de espra de um hospital. Estou na cama cheio de tubos e seringas no braço... a vida é frágil, esta que vivo mais ainda. Desgosto profundo".

Lourenço abre a porta. Observa o corredor até a escada que contorna o edíficio. Mas realmente se torna cada dia difícil encarar o parapeito, ele certamente se jogaria. Ou estaria apenas se enganando? Mais um covarde em seu casaco de couro em um dia frio. Talvez a própria vida tenha lhe enganado esse tempo todo. Lembrou-se de quando era mais jovem, e sonhava com Moscou, com as ruas de Berlin, qualquer lugar que fosse uma novidade interessante, um novo motivo que lhe trombasse no acaso de algum dia.

Venta muito no alto do edifício. O sétimo andar poderia lhe estourar os miolos.
Ora, tão simples cair numa esquizofrênia sem volta. Não existe espaço para quem nunca se encaixa em lugar algum. Lourenço se camufla na pele de seu casaco medíocre, como sempre faz para encarar o frio. O caminho é o mesmo de todos os dias, os mesmo contornos na calçada, a mesma espectativa dissecada na próxima esquina, outra frustação as sete da noite. Isso tudo é completamente simples, pois o nosso personagem não se dá ao luxo de ser alguém.

Mas existe o real em cada um, pelo menos ele acredita. Porém há de ser muito forte para ser real, é como estar morto, com os ossos a mostra, com toda delicadeza e fragilidade humana exposta a flor da pele; e isso pode doer mais do que o suportável. Passando pela ponte, Lourenço se lembra de algumas cenas curiosas da infância, apesar de nem ao menos estar certo de ter sido criança anteriormente. "Sonhar deve ser uma doença, a mais fatal de todas. Esse raciocínio pode soar um tanto irônico, já que a fatalaidade pode exterminar o hoje com apenas um sopro na direção contrária à sua vida".

"Alguns sonhos duram a vida inteira. Eles imergem nos nervos e ficam lá por décadas. E pode-se perguntar o porque uma pessoa que vive com este mal não dá fim em tudo com as próprias mãos? Por que insiste nesse desespero, se como o nó no cadarço que aprendemos a fazer nos anos de infância, temos habilidade suficiente para deslocar o pescoço que nos sustenta a cabeça? Simples assim: o verme do sonho é a esperança, que parece boa e serena até nos fazer acordar desse ópio sonâmbulo com uma facada nas costas".

Tão fácil cair numa esquizofrênia sem volta...

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