terça-feira, 30 de junho de 2009

Filhos da Cultura - Cáp.5

Neal Cassady
- perfil

Típico americano louco, sonhador. O nariz comprido é proporcional ao cigarro, sempre no canto direito da boca. Aceso. O cigarro queima, não tanto quanto o sol do México quando você pisou naquela terra abençoada por um deus que não existe. As santas de pele queimada pediam mais tabasco inglês logo a você, profeta americano, quente e odiado no Texas, onde as pessoas nunca mudam.

As crianças como anjos em um sonho fundamental se elevavam ao céu no braço quente de suas mães e você só observava, você que não teve mãe. E o seu pai era um bêbado. E você era um bêbado. E seu pai morreu. E você morreu. E todos nós um dia vamos morrer, mas enquanto isso continuo pensando em você e na sua caminhada torta por um terra tão correta e mentirosa como toda a estrada da América.

Ainda pensamos em você Neal, herói de outrora, do tempo que já passou, das possibilidades inesgotáveis - que para nós já se acabaram. Eu penso em como somos perdedores sem futuro. Eu penso em como o mundo nos deu as costas e riu das nossas intenções medíocres e mal planejadas.

Mas tudo isso é uma grande besteira meu caro Neal. Você que corria por Denver com suas mãos congeladas nos dias inverno e que comia ao lado dos vagabundos bêbados em algum prédio mal pintado. Oh pobre Neal, criança sem botas de neve congelando na indiferença mundana que nunca lhe deu abrigo, você foi o próprio Jesus enxotado e pregado em uma cruz de lamentações.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O velho e a sombra

A sombra
A sombra ri
A sombra dança
Em círculos na sala

A hora escorre
No relógio, a sombra
Se escora na embriagues
Do velho à beira da morte

O velho ri
Da sombra morta
Que se esgueira nos cantos
Em busca da última derrota

A sombra ri
O velho chora
As luzes se apagam
Os dois vão embora

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Filhos da Cultura - Cáp. 4

Una puta llamada Esperanza

Argh. Universo, buda, estrelas, jesus, me respondam algo - não que isso vá fazer alguma diferença. Meus ossos doem tanto, nem aguento levantar da cama. A noite os sonhos parecem uma piada sem graça. Encontro pessoas distantes, sonho voar pelo céu sem limites, sinto o amor nunca encontrado nessa terra sã.

Sonho. Ele consegue ser tão cruel. Acordar é chegar muito próximo daquele limiar tão sutíl do insuportável. O abismo é tão próximo que consigo ver o meu rosto refletido na sua decadência. Essa vontade, cobiça, desejo, egocêntria, horror sobrenatural e desumano do suicídio. A vergonha da espécie que coloca o ponto final antes da hora certa. Mas quem disse que as horas são iguais para todos?

Nesse exato momento uma pessoa do outro lado do oceano descobre que é o ser mais feliz do mundo e agradece de joelhos a prece atendida por sabe-se lá quem. A pouco mais de um quilômetro daqui um homem de 20 e poucos anos é atropelado e vê a sua vida passando como um filme insuportável e injusto. E talvez nessa cidade existam mais pesssoas como eu. Provavelmente há alguém que odeie o trabalho necessário para sustentar os filhos e olhe para o mesmo viaduto todos os dias desejando estourar os miolos debaixo do próximo carro.

Ah, como os meus ossos doem. Centenas de agulhas ao mesmo tempo perfuram cada poro, atravessam os músculos, invadem os órgãos. Meu coração parece uma bomba prestes a explodir. O pavio queima rápido e dolorosamente, sinto que o fim está próximo, ao menos espero isso ansiosamente. A ansiedade me corta os pulsos, me dá falta de ar, mal consigo abastecer os meus pulmões com oxigênio. Um calafrio percorre o meu corpo em busca de alguma saída e me coloca contra a parede a cada instante, em um xeque-mate eterno. O peso da sobriedade já é mais forte do que eu posso suportar.

Meu estômago dói, não consigo mais dormir, aos poucos perco os movimentos mais simples e adquiro nuances verde musgo num olhar apático. O sangue corre quente nos braços, sinto ele seguir seu destino num fluxo incessante e delinquente, jogando vermelho tinto nos meus órgãos e mantendo a vida apesar de tudo.

Imagino o som do gatilho e seu tiro consequente; imagino a fraqueza dos músculos enquanto o veneno se dissolve no sangue; imagino o vento frio e veloz que corta o rosto no momento da queda; imagino a dor que abre a veia do pulso; imagino o estalo no momento em que o sistema nervoso se desliga da estrutura; imagino a dose quente que segue pelo braço até o coração. Nunca acreditei em possibilidades, mas agora vejo que existem muitas. Ainda há esperança.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Filhos da Cultura - Cáp. 3

Solidão

O copo reflete a luz vazia amarelada da sala repleta de pó. A fumaça cria um ar de nostalgia, anos perdidos, pessoas perdidas. O cigarro caído na ponta dos dedos é um mero coadjuvante nessa cena decadente. Lembro de vozes roucas do passado. Me sinto entre on the road, na beira da estrada, ou em um buraco qualquer na França dos anos 60. Quanta besteira. Sou só eu, numa época medíocre, cercada de silêncio e sem ideia alguma.

Os tempos não estão mais mudando Mr. Zimmerman, as coisas nunca pareceram tão iguais. Não que elas realmente tenham sido diferentes, mas pelo menos havia esperança de tal acontecimento. Agora somos todos perdedores, nos deixamos levar pelo tempo, pelo sistema corrompido de investimento e homens de terno que escrevem na parede caminhos imaginários tão insensatos.

Agora só há vazio. Um buraco negro na solidão da madrugada que indica o caminho para a revolução individual de todos os deslocados como eu. Aqui é América do Sul. Não há blues de Mississipi e nem ao menos a inocência inerente aos índios e incas assassinado aos milhões pelos malditos espanhóis. Somos uns bastardos sem chance, corremos atrás de governos paternalistas e deixamos de ter ideias.

O fogo está apenas na dança noturna de imbecis desocupados, que dançam como robôs futuristas em roupas coloridas nas esquinas. Nas pílulas de arco-iris que inspiram a vida novamente. Em caixas tarja-preta para alimentar o sono e os sonhos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Filhos da Cultura - Cáp. 2

Lobotomia na Oscar Freire

(Um bêbado caminhando com sua loucura)

AH, ah ah....
Que NOJO, nojo, cabeça virando em círculos da existência sem sentido, me tire desse nada!
Ah....

Ok... respire fundo, 1, 2, 3, seção de yoga, o médico recomenda repouso e menos stress para as mulheres translúcidas da Oscar Freire em seus vestidos de 1 milhão de dólares e eu aqui, só me resta a roupa do corpo, que sem dúvida vale mais do que a alma de cada uma delas...
E suas viagens à Europa, a Europa dos turistas endinheirados sem ter onde gastar que cobiçam a Monalisa, fazem fila pra olhar nos olhos dela com seus olhos ignorantes e apáticos... quem é a Monalisa, que é ela??

Do livro, ah sei, deve ser a capa daquele best seller...
O que? Não. Por favor não.
Qual o incômodo? O que lhe incomoda? A minha cara? A minha cara suja e sem brilho, sem lantejoula, sem jantares de sexta a noite, sem faculdade de inteligentes meninos e meninas cretinos?

Acho que vou surtar... vou beber para não derrubar o muro a minha volta, eu preciso me escondre atrás dele senão vão me descobrir.
Todos os homens polidos me olham de esguio, me fitam com ar superior, me desprezam na sua pretensão imortal, me julgam da sua elevada e crente temência ao senhor dinheiro por quem compram e vendem a alma...

E como entrar nessa roda da fortuna? Como não ficar enjoado mesmo sendo um zé-ninguém-de-merda como eu?
Até mesmo aquilo que eles consideram merda acabam comprando e vendendo por status, hahaha, New York, lugar de loucos excêntricos, vocês são tão diferentes, olha como isso é engraçado!!

Ah Deus!!
Dê-me a sua mão branca! Olhe-me com seus olhos de cristal azul!
Eu que sou apenas um preto sem nada, um miserável castigado por meu pai Noé!
Oh Deus, me envie raios de lobotomia, lobotomia, lobotomia!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Filhos da Cultura - Cáp. 1

Um jovem viajante rico

(Troca de e-mails entre duas pessoas sem esperança numa maldita segunda-feira)

E-mail 1

“Tô puta porque enquanto nós trabalhamos feito formigas anônimas nessa porcaria de País sem chance para nada (a não ser para dar mais lucro e viagens à Europa para o patrão visitar a Monalisa no Louvre) alguns riquinhos viajam pelo mundo tirando fotos medíocres e depois escrevem em seus blogs "ah, como o México é um lugar exótico, ah, como foi legal ver os escritos daquele babaca do Jack Kerouac em Nova Yorque, acho que vou fumar um cigarro pra comemorar a riqueza poética daqueles vagabundos beats!"

E-mail 2

"Nem me fala nisso. Quem é esse mané?
Essa história me deu calafrios novamente, os mesmos que eu sentia com aquele pessoalzinho batuta e sem-cultura que voltava "cheio de vida" de suas viagens:

'Adoro Klimt, Gustavo'
'Nossa, passei na Abbey Road, os Beatles são bons mesmo'
'Comecei a gostar de blues depois que visitei o museu de Memphis'

Enfim... o idiota aqui antes era um vagabundo tímido, coitado...
Mas fico imaginando eles numa familia comum...
São muito ingênuos, cabeça fraquíssima, e mesmo assim foram para os EUA, Europa, ganham muito mais que muita gente. Contato é tudo nessa vida.
Vinte anos de imaturidade. Quando tiver 29, terá realizado mais sonhos do que eu mesmo se me dessem 352 anos de vida. É, a vida é injusta... e minhas aspirações e preocupações abstratas são bem maiores.

E-mail 3

"Pois é....
Que enjoô
vamos nos preparar para os próximos 350 anos de vida, quando esses cretinos já terão dado a volta ao mundo umas três vezes e nós continuaremos passivos e humilhados...
Mas uma coisa é certa: eles jamais, nem em outra encarnação, conseguiriam aproveitar qualquer misera esquina de Paris ou de Nova Yorque como nós aproveitaríamos... a ignorância é cega e apática, tenho pena desse tipo de gente...

Enfim,
aguenta firme essa segunda de merda
Um abraço".