quarta-feira, 31 de março de 2010
Um novo passado
Imagem: Beach Scene, Guernsey (Children by the sea in Guernsey), Renoir
Entrei pelos fundos da pequena casa de alvenaria cercada por um gramado seco e com brechas de terra batida nos muitos pontos falhos. O cachorro estava solto no pequeno quintal, mas não me estranhou totalmente, apenas pulou em meus braços, sujando minha roupa com toda sua alegria na recepção ao novo estranho que adentrava seu recinto.
Avistei a entrada da cozinha, fresca diante daquela tarde quente que adormecia crianças por toda a vila. Entrei sorrateira e dei de cara com um rapaz, que me olhou espantado e curioso.
-Ah, desculpe o susto, vim encontrar a Julia...
-Tudo bem, pode entrar.
Assim o conheci e nem imaginava o futuro que nos pertencia. As pessoas e seus encontros improváveis, quanta beleza cerca esse acaso. Os desconhecidos de um minuto atrás com suas ideias variadas vêm e vão, passeando pela minha vista, até que um me chama a atenção.
-Oi, desculpa a demora, acabei de sair do banho...
-Sem problema, vamos indo?
-Me dá mais um minuto e estou pronta
Na sala da casa, fotos espalhadas na estante, como é costume nos lares que são ou foram felizes algum dia. Os dois pequenos, na praia, em uma; ela com o barquinho de papel, na água, em outra; o menino chorando no colo da mãe com a cara suja de bolo de aniversário.
Pessoas e suas lembranças, tão valiosas e presentes que parecem nunca passar, ficam presas em imagens coloridas e invertidas nos negativos de suas câmeras antigas. Sinto-me tomando parte de um novo passado, do futuro dele e do presente dela.
-Podemos ir agora.
E partimos. Todos os dias partimos para o desconhecido, com a sensação agradável da surpresa e das possibilidades que nos esperam, ou com o medo primário que não abandonamos devidamente na infância.
Em um retrato próximo à porta de entrada, Julia aparece à beira da piscina, com medo de molhar os pés. Hoje em dia, se joga na correnteza leve do mar sabendo que conseguirá voltar. E assim segue.
sexta-feira, 19 de março de 2010
Lendas falantes da América onírica
Johnny Depp e Benicio del Toro no filme "Medo e Delírio"
Difícil encarar a vida de frente, olhar em seus olhos e ver a piada pronta refletida. “Ah, você está vivo? Mas é só por um tempo, nem se empolgue...Por que está aí parado?”. Nunca é o suficiente.
E a gente vai dando com a cara no chão, errando feio, apostando e azarando, vendo todo mundo andar enquanto aparentemente estamos no mesmo lugar. E de fato estamos. Todos caminhando pro mesmo destino, lugar nenhum, total desconhecimento de onde chegaremos ao final. Existe sensação mais amedrontadora?
Dia desses me peguei rezando mentalmente para algum ser divino não existente (quem me dera ter ao menos fé como combustível...) por alguma motivação estúpida e esperançosa na busca por resposta para esse enigma mais estúpido ainda que chamamos de vida.
No meio da noite, em um andar alucinado pelas ruas de uma Las Vegas deserta e onírica, um carro parou ao meu lado com um tipo à la Hunter Thompson em “Medo e Delírio” - com um cigarro deitado no canto esquerdo da boca e óculos de olhos entorpecidos me fitando, parecia querer uma informação.
Mas na real, ele sim queria me dar uma informação, talvez a que eu tenha pedido na noite anterior, porque talvez fosse realmente o Thompson, velho camarada de uma profissão sem futuro, que se suicidou há alguns anos. Soltou as palavras meio gritando, meio saindo fora, com aquele bafo de dry martini, “Você não precisa viver todas as possibilidades para ter uma vida plena!!!”.
Senti que só faltou o “your fucking asshole” no final da sentença para acabar com a minha demência investigativa sobre vida e morte. Mas que diabos ele quis dizer com isso? Que raio de moral o Thompson e aquele bendito advogado samoano portador de armas e drogas ilícitas têm para pra me dizer justamente que “não preciso viver todas as possibilidades”?? What the fuck!
Mas no fundo acho que ele estava certo. Talvez viver todas as possibilidades, ou pensar demais em vivê-las, esgote uma pessoa. Drogas mais potentes, noites e dias mais divertidos, empregos melhores, mais dinheiro, jantares, amores... O “tudo” é demais! Como foi pra ele no dia em que apontou uma arma para cabeça.
Da minha viagem a América onírica que me dá até vontade de chorar quando lembro das crianças de Ohio (as únicas que podem chorar) e do pai do Dean, e dos dois loucos das corridas no deserto, e do Dylan que jamais seguiu líder nenhum, tirei isso: a própria vida já é suficiente, então para que viver a dos outros também? A competição e o desejo inesgotáveis são demais para mim.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Blue up
terça-feira, 16 de março de 2010
Saudade
A saudade que eu sinto é doce como uma manhã de domingo
É tão inocente que parece uma fábula antiga
É tão colorida que me lembra uma viagem de LSD
É tão simples, como uma canção de blues old school
E tão esperançosa quanto o fim de uma guerra
A saudade que eu lembro é o jeito que me fazia sorrir
É tão real que o meu pulso realmente acelera
É tão sutil que às vezes me pego na minha surpresa
É tão absurda, como as ideias que eu nunca tive
E tão pura quanto os versos que ainda não escrevi
E de triste não tenho mais nada
Só a lembrança da tristeza de um dia
O suficiente para achar graça no fim
Na memória o antigo pranto
O abismo que separava o eterno
Agora é um detalhe para o céu colorir
Imagem: O Sena em Argenteuil, Claude Monet
É tão inocente que parece uma fábula antiga
É tão colorida que me lembra uma viagem de LSD
É tão simples, como uma canção de blues old school
E tão esperançosa quanto o fim de uma guerra
A saudade que eu lembro é o jeito que me fazia sorrir
É tão real que o meu pulso realmente acelera
É tão sutil que às vezes me pego na minha surpresa
É tão absurda, como as ideias que eu nunca tive
E tão pura quanto os versos que ainda não escrevi
E de triste não tenho mais nada
Só a lembrança da tristeza de um dia
O suficiente para achar graça no fim
Na memória o antigo pranto
O abismo que separava o eterno
Agora é um detalhe para o céu colorir
Imagem: O Sena em Argenteuil, Claude Monet
quarta-feira, 10 de março de 2010
Ao meio-dia, o verão
Por que tão tristemente
Esses olhos fitam-me?
Não basta a lamuria da vida
Ecoando o viver?
Não basta o vento fugindo
Pela noite, o bramido?
O abrigo que aguarda
O vento não pode ver
Eu tentei, ao menos, tentei
O erro foi resultado, mas ao menos...
Por que na própria morte
Busca-se a vida?
Não basta a incerteza do lar
Aonde leva o morrer?
Não basta o dia queimando
Sol poente, esvaindo-se?
O escuro que o espera
O dia não pode ver
Eu tentei, ao menos, tentei
O erro foi resultado, mas ao menos...
Ó triste dama que caminha
O sangue ralo a correr
Pela relva pálida da vida
Por veias e vales sem cor
Quem sabe quando for meio-dia
E o verão ascender como fogo
Quando menos esperar o vermelho
Poderá encontrar-te de novo
Imagem: Ao meio-dia, o verão (Marc Chagall)
segunda-feira, 1 de março de 2010
Ego
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