quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A cidade nunca lhe perdoará

 Kalte Stadt (Cold City), Paul Klee

- Tríade city 1 - 

Vou imergir no vazio da multidão que me carrega
E talvez lá encontre a oportunidade desejada
De desaparecer por completo da eternidade
E volte ao princípio, quando nunca existi de fato

Que diferença faz você no meio da multidão, pergunto-me
Um ser inanimado, rastejante lagarto, largado
Mudando de cor para se esconder no cinza dos muros
Fingindo esconder a vergonha de ser si mesmo

A fumaça dos carros corrói faces e traços dos transeuntes
A falta de sentido é tão deplorável quanto minha identidade 
Um inseto voando baixo prestes a ser pisoteado
Desiludido e ansioso pela próxima possibilidade de nada

As torres de prédios me fecham dentro de uma prisão
Não mais cruel do que a que construí com meu próprio desprezo
Uma cela suja e escura é a morada do meu ego
Que se alimenta do meu vazio e consome-nos com desgosto

Eu só estou esperando
Por nada mais que me espera
Porque ainda é hoje
E amanhã nada será

Que diferença me faz ser eu?
Que diferença eu faço?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Pausa para o café

 Da Vida das Marionetes, Ingmar Bergman


Acorda
Café
Remédio
(ela está tão longe, ela está tão perto, ela es..)
Café
Almoço
Remédio das 2
(uma pílula, duas? Ela está longe, melhor dua...)
Café
Sono
Trabalho
(uma letra após a outra e depois vem uma e out...)
Café
Rua
Uma dose
(ela continua longe, mais uma, me vê mais...)
Duas doses
Insônia
Bang!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pequenos ensaios musicais

Número 1 - O tempo



Eu queria ser o tempo da música. Nascer e morrer dentro dela. Viver nas linhas da partitura com as minhas lágrimas pontuando as pausas e colcheias. A minha vida seria breve, mas valeria por cada instante. Imagine a falta que eu não faria se resolvesse parar antes da hora? A melodia não conseguiria prosseguir. E eu, será que conseguiria prosseguir sem ela?

Eu queria ser o tempo da música exatamente porque de melodia já tenho muito. Ela é dramática, forte, bipolar. Às vezes triste o tempo inteiro, e daí me deixa triste também, porque sendo o tempo, tenho que carregá-la nas costas, ela me segue e me suga como um viciado precisando se entorpecer.

E o tempo é muito mais prático. Ele não tenta se alongar mais do que deve. Sabe que vai acabar, por isso corre na hora certa, pausa e depois volta porque precisa voltar, porque é a direção que guia o todo. A melodia que chore, se revolte, seja dissonante e caótica, o tempo precisa continuar.

Mas a brevidade do tempo da música é só uma ilusão. E daí vou dar o braço a torcer à subjetividade da melodia, porque ela cria um mundo. Sim, e o seu mundo não tem tempo, por mais contraditório que pareça. Transpassando a fronteira da realidade, cria a própria eternidade. E nessa realidade o tempo é um detalhe.