terça-feira, 27 de abril de 2010

Ruídos



A nostalgia é um ruído magenta-triste, forte e com sombras espalhadas em alguns pontos da memória. Dias frios e chuvosos.

Eu assistia Lost in Translation na cama com uma preguiça eterna de sair dela. E ouvia My Bloody Valentine na sequência, porque a dor, ao contrário do que pensam, também é rosa.

E a solidão nos copos de whisky e cigarros de pubs perdidos no mundo é real. Mas talvez ela não tenha sido feita para ir embora. Nós somos a nossa própria solidão.

Nós somos as guitarras distorcidas e o fundo dramático da coisa toda. Nossas lágrimas são notas desconexas no meio do ruído.

“Eu não tenho amor, eu não tenho nada além do álbum da capa rosa”. Meu vazio se expande como o universo das noites sem estrelas. Meu vazio me absorve nos seus braços.

Mas o objetivo de tudo é saber o que ele diz no sussurro final antes de pegar o táxi. E isso importa?

São apenas palavras ao vento, como as distorções cor-de-rosa e as notas – que na verdade são lágrimas – molhando tudo antes de partirem para o infinito.

Imagem: Loveless, My Bloody Valentine

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ponto de fuga



fu.ga -sf (lat fuga) 1 Ato ou efeito de fugir. 2 Saída, retirada, partida rápida para escapar a perseguições. 3 Orifício por onde sai ar, fumo, gás, luz etc. 4. Peça musical polifônica, na qual se desenvolve um tema, em contraponto. 5. Escapatória, subterfúgio. 6. Espaço, margem, sobra. Pontos de fuga: em desenho, pontos de duas retas divididas homograficamente, tendo cada um, por ponto homólogo, na outra reta, o ponto ao infinito.

***

Do décimo sexto andar, de frente para lua, eu vejo você lá embaixo.
Você, com uma vela entorpecente nas mãos, um ponto luminoso no universo que o engole aos poucos em sua imensidão perdida. A vela da missa dos inocentes de antes - a única luz no túnel sem começo e sem fim.

O que será que você pensa da vida? Você que parece não ter identidade no meio de outros pontos luminosos em cobertores de lã e andar triste no meio da avenida de sonho e concreto.

A madrugada é o seu tempo, a penumbra é a sua casa. E nas nuances de amarelo nostálgico das luzes do centro você se encontra e se perde no andar torto em busca de compreensão. A lua é tão bonita aqui de cima. “Parece um limão, lemmon moon”.

E nós estamos a salvo com a nossa empolgação passageira de sábado à noite, observando a insegurança se retorcer nas calçadas. Daqui a pouco o dia nasce e as cores de vinho barato e toranja vão se emaranhar no céu num fluxo incessante de dor e vida saindo da escuridão. O nascimento.

Mas e para você, que não sai da escuridão, como será encarar o dia - o sol batendo nos ossos da face, trazendo a lembrança de que a vida existe e talvez você deva fazer algo com ela?

Eu realmente queria saber aonde essa procissão de almas perdidas vai parar quando o dia amanhece. Para onde cada uma delas irá? Onde poderiam encontrar o conforto perdido após a mutilação interior?

A dor que carregam deve ser maior do que toda a angústia ancestral do mundo, queimando em pontas luminosas bem lá embaixo, tão longe da lua.

Imagem: El Hombre de Fuego - Orozco, José Clemente

terça-feira, 20 de abril de 2010

Barulho transcendental

Sábado à noite, estúdio Noise Terror, Jabaquara.

E aqui acaba a objetividade dessa resenha, porque não seria possível mantê-la e ao mesmo tempo descrever a apresentação do Vincebuz no último final de semana.

“Alguns momentos foram feitos para serem esquecidos”, alguém me disse naquela noite, com um otimismo bizarro contraposto à frase um tanto curiosa. Mas o sentido não poderia caber melhor – a pessoa se referia, disse-me, a certas experiências intensas que devem ser vividas plenamente no momento, e dane-se se vamos recordá-las ou não (algo difícil de se fazer dependendo da quantidade de entorpecentes em questão).

Mesmo acreditando nessa ideia como uma boa definição para a força singular que algumas apresentações ao vivo despertam, compartilho o que sobrou na minha memória e o que consegui captar, digamos, do inconsciente coletivo dos que estavam presentes.

3 é D+, Projeto Trator e Hierofante Púrpura deram início à tormenta. O local iluminado apenas por uma luz vermelha baixa remetia à cena de algum filme do David Lynch, uma atmosfera de sonho que deixava a visão quase distorcida na pouca luz que delineava as sombras nas paredes.

Quando começou a arrumar toda aquela parafernália – duas baterias, copos, correntes, tambores, sintetizador, pedais, instrumentos que poderiam servir para algum tipo de ritual religioso contemporâneo – o Vincebuz já havia começado sua apresentação. Os curiosos se aproximavam e observavam com interesse a movimentação da banda.

O set da bateria sem dúvida chamou a atenção, não somente pelo fato de serem dois bateristas, o que traria, no mínimo, algo com forte densidade sonora, mas pela forma como as baterias estavam montadas: os dois compartilhavam um bumbo (Como aquilo não explodiu? Depois fiquei sabendo que eles alternavam as batidas de forma intuitiva) e alguns pratos “comunitários”, de lado para o público, frente a frente.

Quando a apresentação começou de fato, a sincronia e o ritmo das batidas faziam um baterista parecer o reflexo do outro, literalmente. E num sentido mais amplo, era o que acabava acontecendo dada a tamanha sinergia entre os dois.

Em meio a todo o barulho dois caras começam a palpitar sobre o som, e logo me meto na conversa como se já fossem velhos conhecidos. Falavam de quão impactante era, musicalmente, visualmente. Comentei sobre essa ideia do espelho e um deles, chapado de LSD, sentiu-se completamente compreendido com o meu comentário: “caaara, estava tendo exatamente essa brisa”.

Adoro os pitacos aleatórios dos fanáticos por música, que estavam de olhos e ouvidos bem abertos – o que não foi algo simples de se fazer, levando em conta o breu do local e alguns picos de microfonia que me faziam, por alguns instantes, esquecer meu amor por Sonic Youth e tapar os ouvidos no intento de salvar o que ainda resta da minha audição.

Difícil definir o que aconteceu por ali. Que diabo de estilo poderia sintetizá-los? Experimental? Talvez. Algo ligado a algum tipo de ritual, uma experiência além da música, cairia muito bem para esse show. Interessante ver as reações dos doidos plantados em frente à banda, acompanhando o ritmo como podiam. A ligação entre os integrantes - que é realmente absurda, todos estavam com a alma pra fora, saindo de si ao mesmo tempo – foi compreendida e ganhou o acompanhamento de quem assistia.

Guitarra estupidamente distorcida, reverb estourando, alguns gritos esparsos que poderiam ser a letra ou não. Se fosse apenas isso seria mais uma banda barulhenta tocando em algum beco da vida. Mas a execução deles faz grande diferença, o entrosamento nesse estado de transe é algo intenso de se ver e faz a apresentação ser completa – não só música, não só “performance”, a integração entre os dois aspectos que faz a experiência ser completa.

O set de três músicas, mesclado com improvisos transcendentais, durou pouco para quem estava por lá. Quando acenderam as luzes brancas e o fim da noite foi declarado, as pessoas saíram do ritual com vontade de começá-lo de novo.

Confira um trecho do show:

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sangria


Dilacerado
A carne viva
Sangra a neblina
Bruma que vai até a alma
Nos olhos embaçados pela tristeza
A janela não deixa sombra de dúvida
Para quem olha com um pouco mais de atenção

Imagem: Auto-Retrato com Cigarro, Edvard Munch