foto por Circus Produções
O fim chega pra todos – inclusive para ela, a canção.
Mas esse final é derradeiro ou apenas o ponto de partida para um novo começo? Em um extremo, a canção continua agarrada às raízes, à tradição. Em outro, voa junto à transgressão invisível do futuro, com o perigo de perder a identidade. E sobre qual ponto dessa trépida linha poderíamos situar a música brasileira atualmente? Todas essas questões envolveram a apresentação de três professores no assunto – literalmente falando – no último domingo (22/05).
Alguns minutos após o sinal que encerra a entrada ao teatro do SESC Vila Mariana (SP), Luiz Tatit, membro fundador do vanguardista grupo Rumo em 1974, adentra o palco de forma discreta, violão em punho, junto a Arthur Nestrovski, violonista e diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP). O auditório fecha-se em um silêncio contemplador para ouvir o primeiro “declamar” a canção título de seu último álbum, Sem Destino (2010). “Tudo que era o meu destino na verdade nunca me aconteceu. Pode ter acontecido pra alguma pessoa, mas não era eu”.
Dilacerando sutilmente o domingo à noite da classe média paulistana, as palavras abriram o show de gravação do DVD O Fim da Canção, que já traz consigo a pergunta que não quer calar: será mesmo o fim? Jaqueline, personagem de uma das faixas de Sem Destino passa o verão compondo para no inverno cantar, como na fábula da cigarra e da formiga. Ainda há esperança.
Na sequência, outro mestre – esse em literatura – adentra o que poderia ser uma reunião de docentes. José Miguel Wisnik, acostumado a transitar pelas salas de aula e pelos palcos, une as possibilidades da erudição à franqueza da expressão – algo que já faz em seus livros, com destaque para o indispensável O Som e o Sentido.
As composições dos três contam com interpretações conjuntas, em duos, solo, e com a participação do cantor Celso Sim, entrelaçadas por momentos memoráveis entre a morte de uma canção e o nascimento de outra. Em “Errei com você”, Wisnik erra de fato a letra e se corrige no final, tirando risadas da platéia que relembra o fato de estar diante de um professor.
Em “A Companheira”, Tatit, apresenta uma personagem que de tão companheira até pensa pelo outro. Para “Elisa”, desconstrói o tom sentimentalista da composição romântica com uma letra inspirada numa frase de Tom Zé durante entrevista, na qual o baiano cita “Pour Elise”, de Beethowen, como a música que mais representa São Paulo – a singela musiquinha do caminhão de gás – acabando assim com qualquer suspiro apaixonado do público.
Nestrovski, o mais erudito dos três, romantiza Schumann na bela versão “Pra que chorar” e acelera no ritmo da globalização na marchinha “Aquecimento global”. Essa é pra acabar – a última certeira de Tatit para “dispensar” o público – encerra o espetáculo deixando um tom de brincadeira e de reflexão, além de um precioso registro em DVD para ser conferido. “Tem hora que é do show / Tem hora que é da vida / E os dois estão ligados / Pela porta de saída”.
(Texto publicado originalmente no portal Rock in Press - www.rockinpress.com.br)